terça-feira, 16 de junho de 2015

Pintura antiga



Eu estava olhando o muro, vendo-o descascar. Havia lá a tinta que eu mesma pintei se esvaindo, havia história e o meu dedo de intercessão. Mas eu sabia que tinha passado, eu sabia que devia deixar pra trás. Eram outros tempos e eu não me via mais naquelas linhas. Eu precisava recomeçar! Eu precisava pintar o meu muro de outra cor.
Tal tarefa não é tão simples quanto parece. É sabido que num muro antigo, não se joga outra tinta por cima. É preciso descascá-lo por completo, fazê-lo sangrar. Então põe-se a massa, pra quando alinhada, recomeçar tudo outra vez com cara nova.
Eu estava ansiosa pro recomeço, mas parte de mim odiava o fato de eu ter usado tinta tão vagabunda num muro que eu mesma construí! Algumas coisas a gente sabe que não vai dar certo, mas insiste na tentativa vã de que nem tudo é tão preto no branco, como pintam. Pois é, a gente só se convence após o resultado. E o resultado veio pior do que eu esperava.
Hoje olhando o novo muro, preenchido de novas perspectivas e sensações, lembrei  do que ele já foi um dia. Lembrei que enquanto eu via a tinta despedaçar, eu vislumbrava minha sentença. Uma sentença na qual não tive direito ao contraditório. “Aceite as coisas como são” foi o que me disseram e eu me recusei. Assim a tinta caiu e anunciou certa de seu poder “a culpa é sua”, “você tem inveja e quer mais do que pode ter”. Alguém procurou saber?!
Eu me calei. Eu fui embora. Porque me calo diante da incompreensão. Voltei com a nova tinta. Não tenho controle sobre tudo, mas mando no meu próprio muro! Não há de ser como planejei, mas não precisa ser como me impões. O fiz agradável aos olhos. Deixei que o vento levasse o matiz do que ele já foi.
Às vezes passarinhos sopram aos meus ouvidos que dá pra pintá-lo na mesma cor de antes. Eu considero. Mas logo depois desisto da ideia. Porque eu sei que não vai dar certo. Eu sempre soube. Pra quê colorir no tom que não deu pé, quando eu posso ter a liberdade?
Me dizem que há um futuro onde me encontro com velhas cores, em outras construções. Por mais que eu tente (e eu juro que tento!) eu não o enxergo. Não que meu mundo desabe, tal como soava enquanto a tinta desprendia-se da parede. Eu não a sinto mais. Eu só lembro de como foi. Não sei se há perdão a ser dado. Não sei se há apenas um culpado. Algumas pessoas precisam de direção e outras simplesmente estão dispostas a dá-las. Qual é a certa, qual é errada, depende de nós. Eu escolhi meu tom. Aqui ficarei. Há tantas cores novas para experimentar no meu muro novo!

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