sexta-feira, 2 de junho de 2017

Desintegrar


Vem feito trem desgovernado, anunciado pelo salivar. A gente só sabe que tem que ir, qual o fim, mas nem sempre o porquê. Foi assim que eu comecei o meu desintegrar.

Repetidas vezes eu deixei minha vida escapar pelos lábios. Tantas, que o ato de escape já me parecia tal qual bocejar. Comecei a encarar com certa naturalidade deixar que tudo que ingeri se desfizesse ali, bem em frente a mim, a um palmo do salivar.

Desse ato sobra pouco. Sobra a casca meio vaga, meio carente de um ocupante. O corpo declina. A alma também. O senso embaça e tudo é miragem. Não é bonito, não. A gente perde o chão. A alma pede colo e a razão arrego.

Nesse tempo eu tinha que ser tudo. Haviam responsabilidades postas, papéis encomendados e hora certa de falar. Eis que a vida me faz carcaça e me joga às traças, dos meus semelhantes cegos, narcisos e distantes.

Meus sentidos não raramente se distorciam, enquanto todos repetiam: o quê que há consigo, o que quê há conosco, quem se importa contigo carcaça?!

Quem se importa contigo, carcaça? Eu pensei. Concluí que não sei.

Era muito sobre todos, sobre a dor do mundo, sobre as costas de tantos que não cabem pesos tamanhos para carregar. Não que a dor alheia não me provocasse tremores. Eu me remexia dentro do que ainda pulsava em mim. Mas eu também clamava preenchimento, eu despejava um pouco da minha dor. Só que haviam tantos caminhões alheios já tão cheios, que eu não cabia ali. Eu não cabia! A dor que me sucumbia, embora me parecesse enorme, tinha peso pena para os outros.

A vida continua com ou sem a gente. E se a gente deixa, a gente vira história mal contada, mal notada, verbete de fim de página que nem sempre se lê. Eu agora me coloco naquela ideia do copo meio cheio ou meio vazio, vou me transpondo no espaço. A dor serenou um pouquinho. Só a decepção com os meus semelhantes que pesou mais um tanto. Agora a cegueira me parece enorme, me parece irrefutável.

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