sábado, 23 de setembro de 2017

Menina e Mulher


Eu queria poder me abaixar sem temer que ao me empinar, alguém passasse e me tirasse o pedaço com os olhos. Queria que a minha carne aparente, fosse carne como qualquer outra e não o menú principal de algum predador.

Eu sei que a gente é carne e perece. Só que a maioria esquece e se aquece com muito pouco. A gente dá valor demais ao que é fresco. A gente inventa maneiras mil de cozinhar. Há sempre um jeito novo de assar ou fritar. Um ângulo novo para se sexualizar. Um canto do corpo à amostra que é tentação.

A carne fica flácida e desintegra. E o processo dói. Os anos vão! E como humana e mulher, eu tô sempre insatisfeita mesmo. Por isso admito, pra não ficar de fora, é claro que eu desejei uma carne a mais aqui ou ali. Mas os anos me fizeram lidar melhor com essa falta.

Não me apetece o ciúme do excesso. O belo que advém de uma fartura da casca. É bunda, é peito, é coxa e canela. Mas a cintura é fina, viu? Então, controla a boca. E não adianta, é sempre além. Não faz diferença dar o mundo em poema, aquecer no abraço, dar um giro no espaço, pra dormir pensando nas bundas, nas coxas, nas canelas e nas cinturas finas que você não tem.

Porque mulher tem aos montes. A estatística prova: somos maioria! Muito treino, pouca caloria. Cozinheira de mão cheia, mãe exemplar. Maquiagem de rainha, conduta de princesa. Excelência na mesa e na cama. Te daremos a cara até pra apanhar! Servir ou dar.

Me desculpe, mas não vou me espremer num tubinho pra você me notar. Não vou tirar a carne em excesso, nem inxertar volume onde te agrada. Se eu deixar minha pele aparente, é porque quero fresco e não ser o prato da casa. Se eu quiser ser mãe, se eu quiser malhar, se me apetecer a gastronomia, tudo bem. Contanto que eu esteja em primeiro lugar.

Eu não sou sua, nem de ninguém. Eu não serei segunda opção. Não sou boneca de plástico, então não me ponha na prateleira, nem me requisite quando lhe convir. Não estarei aqui pra te servir ou ser consumida. Não sei fazer a janta e não vou limpar a sua imundície.

Eu quero apenas estar confortável sob a minha pele. Eu quero rir sem limites. Eu quero compartilhar vivência com quem me cerca. Discutir teorias, ampliar minhas ideias. Dividir minha ótica com o mundo. Temer ser trocada por carne, não é uma opção.

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