Eu
sou de uma época não muito distante em que cabelo crespo era chamado de “cabelo
duro, cabelo ruim, fedorento, uma palha” e derivados. As minhas bonecas eram
todas loiras e dos olhos azuis. As atrizes da televisão também eram assim (e
ainda são!), em sua maioria. O meu padrão não era veiculado, sabe?
Eu
não estava representada nos meios de entretenimento e se eu estava, com certeza
era sob nuances emergentes, de pobreza ou de miséria. Havia sempre um
sofrimento relacionado ao preto. Uma dificuldade.
Eu
nunca quis ser loira. Mas eu já quis alisar meu cabelo e o fiz. Eu já chorei e
chorei muito por ter um cabelo volumoso e crespo. Eu já me submeti a muita dor
pra forçá-lo a parecer o que ele não é. Só pra me sentir parte de algo, pra me
sentir bonita. E não era raro eu ver gente
rindo da minha testa, do meu lábio grosso e do meu modo não muito delicado de
me portar.
Eu
sofri tanto por não pertencer, que me recusei a isso. Eu comecei a bater o pé e
dizer “Peraí, não tem nada de errado comigo. Eu sou apenas diferente. ME
SUPORTEM.”. E mesmo assim, há momentos em que eu fraquejo e me sinto um
peixinho fora d’água. Até acho que isso é normal, porque o ser humano têm suas
inseguranças e elas se acentuam ou se dissolvem com o amadurecimento. Mas vezes
ou outra, elas acabam por nos visitar.
Ainda
bem que os tempos são outros e agora eu tenho ídolos pretos, bonecas pretas no
mercado e atores pretos na TV e no cinema. Mas esses mesmos ícones ainda são
menosprezados e eu não acho que toda pretinha tenha que se submeter a esse
processo. É muito fácil se sentir pequeno quando o mundo todo insiste em criar
modelos perfeitos que não te incluem. E eu não acho normal que
clamemos pra que nos suportem. As
crianças pretas precisam saber que
são lindas. E elas precisam para que a cultura do branqueamento, a opressão
sutil e a segregação não se perpetuem mais!
Olha
aqui, não há nada de errado em ser loiro, ter olhos claros e ter uma condição
social melhor do que a maioria. Mas
é importante que as pessoas não permitam que meras características físicas ultrapassem
o amor, a existência e o valor de alguém. E principalmente entendam que não existe um padrão de beleza. A mídia
tá todo dia fazendo uma lavagem cerebral na gente, pra manter uma esmagadora
maioria idolatrando uma minoria rara. Eles querem nos convencer de que existe
um padrão, um composto ideal do que deve ser considerado belo, apenas pra nos
manter na mão.
Eu sei, eu sei que eles
dizem que os negros são minoria. Mas quando eu olho pro lado, eu vejo tantos!
Tantos pretos lindos acoados, tantos pretos sisudos angustiados. Todos
impacientes com esse sistema que nos olha torto. Todos querendo um pouco de
voz, ressentidos
por existir e resistir ou pior, alguns querendo tomar à força o que não lhes é
dado de bom grado.
Eu
queria que as crianças começassem acreditando que a pele preta delas brilha e
isso é uma das coisas mais delicadas que o dom da vida pode fornecer. Que tudo
bem ser forte pra algumas coisas e ser frágil para outras e isso não
necessariamente coincidir com quem te cerca. Que um cabelo crespo pode ser a
coisa mais cheirosa e macia da face da terra (fala sério, que tu nunca quis
afundar a tua cara nessas molinhas?). Juro que é a coisa mais gostosa de perder
a mão ou acariciar. Ser leãozinho é ser disforme. É ter um quê meio arredio e
folgado, porque no fim do dia o teu cabelo é o que quer, do jeito que quer e
ainda pode continuar sensacional mesmo quando você achar meio estranho. Se eu
quiser, eu consigo fazer mil textos só pra exaltar o quão lindo é ser preto.
Mas o que eu quero mesmo é que todos eles terminem de ler esse texto com uma
certeza: a beleza do outro, não diminui a sua.
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